RAIO-X com Daniel Cardoso

Neste RAIO-X contamos com o nosso endorser Daniel Cardoso, um reconhecido músico multi-instrumentista e produtor com a bateria na alma. Daniel Cardoso é um artista Remo e Zildjian há mais de 10 anos e atualmente corre o mundo com a banda inglesa Anathema.
Prometemos importantes novidades sobre o Daniel para breve, por isso fica atento.

Road Crew – Quando é que começaste a tocar e porquê que a bateria ocupou um espaço de maior importância para ti? Ou não é bem assim?

Daniel Cardoso – Comecei a tocar bateria desde que comecei a conseguir pegar em lápis, canetas, paus, tudo o que desse para bater em coisas. Lembro-me de desde pequeno reunir todo o tipo de brinquedos (ou utensílios de cozinha da minha mãe) de forma a construir uma espécie de kit de bateria caseiro e imitar os bateristas que via na televisão. Mais tarde, embora tenha tido uma educação musical toda orientada para o piano e formação musical clássica, a bateria foi sempre o instrumento que eu quis tocar.

RC – Consideras-te um músico ou um baterista que faz música?

DC – Considero-me humildemente um músico. Acho que antes de querer ser baterista já era músico. Por uma questão de evolução e adaptação às minhas necessidades profissionais fui aprendendo a tocar vários instrumentos, ou pelo menos a toca-los o suficiente para satisfazer essas necessidades. A formação clássica de piano também ajudou bastante a que hoje seja um músico mais completo, mas a bateria foi sempre a minha grande paixão.

RC – E seres multi-instrumentista (baterista, teclista, baixista, guitarrista, vocalista), compositor e produtor são facetas do mesmo todo ou consegues separar as coisas?

DC – Para mim são facetas do mesmo todo. Em todas as áreas acho importante haver versatilidade hoje em dia e se porventura eu neste momento tiver uma carreira que se possa chamar de sólida é muito devido ao facto de todas essas facetas se complementarem e terem evoluído umas com as outras. No fundo é tudo música. Se calhar não estaria em Anathema se não fosse um músico versátil já que incialmente fui contactado pela banda para substituir pontualmente o baterista num show que ele não podia fazer, depois fui contactado para substituir por tempo indeterminado o teclista, e anos mais tarde passei para a bateria, fazendo uma perninha nas teclas em alguns concertos.

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How do you make a small fortune? Start with a large fortune and open a recording studio…

RC – Também és fundador e produtor dos estúdios Ultrasound, em Braga e na Moita.

DC – Sim, mais uma vez numa espécie de necessidade egoísta quis ter o meu espaço para fazer a minha música, acabando também por abrir as portas à música dos outros por acréscimo. Na altura tinha-me mudado para Braga e ingenuamente achei que um estúdio poderia ser um bom investimento, hoje em dia quando penso nisso só me lembro de uma piada que um outro dono de um estúdio em Inglaterra me contou “How do you make a small fortune? Start with a large fortune and open a recording studio”. Actualmente ambos os estúdios estão franchisados, ou seja, são de gestão autónoma mas funcionam sob as directrizes da marca UltraSoundStudios. No fundo é uma espécie de McDonalds da música, apenas com dois restaurantes. E eu sou um Richard McDonald ou um Maurice McDonald mas em pobre.

RC – Podes falar-nos sobre este projecto? Que tipo de bandas gravam (e ensaiam) lá? E que trabalhos mais te orgulhas de ter produzido?

DC – Não faço ideia quantas bandas passaram por lá, mas ao longo dos anos trabalhamos essencialmente com música pesada, metal e rock, essencialmente em gravação, já que apenas tivemos lá bandas a ensaiar muito esporadicamente. Orgulho-me do percurso de bandas como W.A.K.O. e Switchtense que foram sempre bandas que acompanhei desde o início e que tanto fizemos crescer como nos fizeram crescer a nós. Orgulho-me também de ter tido os Angelus Apatrida a escolher consecutivamente os UltraSoundStudios para gravar os seus álbuns após terem assinado pela Century Media. E orgulho-me obviamente de ter trabalhado com o Kristoffer Rygg, com o Danny Cavanagh, com a Anneke Van Giersbergen…entre tantos outros.

RC – É comum fazeres trabalho de sessão nos álbuns que produzes?

DC – Relativamente comum sim. Muitas vezes sou contactado para produzir um álbum e questionam-me logo se estaria interessado em fazer o trabalho de sessão também, mais de bateria mas não só. Muitas vezes faço trabalhos de sessão de baixo ou teclados. Obviamente é algo que faço com gosto, essencialmente bateria já que – como produtor – odeio bateristas em estúdio no geral (risos). Curiosamente recusei-me a gravar as baterias do álbum que produzi da Anneke Van Giersbergen. Lembro-me que o baterista do álbum era o marido e manager dela, Rob Snijders, que é um excelente baterista, mas após ter gravado meio álbum perguntou-me se não queria ser eu a gravar o resto dos temas ao que eu respondi que preferia não o fazer. Acho que no fundo queria dedicar-me só à parte de produção e composição e não tanto de execução. Acabamos por ter o Dennis Leeflang nos temas restantes, amigo do Rob e baterista do Bumblefoot e de outros projectos. Deve ter sido o único trabalho de sessão importante que recusei.

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…tinha acabado de conhecer o meu maior crush de adolescência…

RC – Em 2011 juntaste-te à ex-vocalista de The Gathering, Anneke van Giersbergen, como músico/produtor. Como surgiu esta oportunidade e o que acrescentou à tua experiência?

DC – Foi incrível. Nós conhecemo-nos no backstage de um concerto em Paris, ainda eu não estava em Anathema, foi totalmente random, e acho que tivemos logo um click. Falamos durante um bom bocado sobre música e não só, ela é extremamente cativante e eu também devia estar mais falador porque tinha acabado de conhecer o meu maior crush de adolescência (risos). Acabamos por trocar contactos e poucos meses depois falamos sobre a possibilidade de ser eu o produtor do álbum dela. Acabei por ser também o co-compositor dos temas e foi uma experiência única. O processo dividiu-se entre Braga, Holanda e Lisboa e o álbum acabou por ser nomeado para um Edison (Grammys da Holanda) como melhor álbum desse ano. Orgulho-me, e ela também, bastante desse álbum.

RC – Fazes parte da banda inglesa de rock/metal Anathema desde 2010, tendo tocado ao vivo enquanto baterista ou teclista. Consideras que o ser membro integrante de uma banda difere do trabalho ‘pontual’ em que aspectos?

DC – Neste caso posso usar o lugar comum de dizer que já somos como uma família. Na verdade esta banda é composta por duas famílias e eu: Três irmãos Cavanagh, mais dois irmãos Douglas, e depois um português. Mas eles vêm-me como um irmão também. Há a vantagem óbvia de sabermos perfeitamente com o que contar uns dos outros.

Já tocamos em festivais bastante grandes como o Download, ou o Hellfest…

RC – Tens corrido o mundo com Anathema. Qual foi a maior audiência para que tocaram? Consegues revelar-nos um pouco o que é que se sente a tocar para tanta gente?

DC – Não faço ideia. Já tocamos em festivais bastante grandes como o Download, ou o Hellfest, e que quando sobes ao palco sentes-te um dos gajos das bandas das vhs de concertos ao vivo de bandas dos anos 90 que vias e revias quando eras puto. Mas como headliners em tours nossas normalmente tocamos para entre 1000 a 3000 pessoas. Há países onde temos sempre mais afluência, como Polónia, Itália, Chile, México. Estamos longe de ser uma banda de estádios ou arenas, mas temos um público muito caloroso e muito fiel.

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RC – É correto dizer que todos os projetos em que tens participado são europeus? E, se sim, consideras isto uma coincidência, algo natural ou uma limitação?

DC – A nível internacional, sim, essencialmente europeus. Mas produzi recentemente uma banda no Chile por exemplo. Acho que é natural, por questões geográficas e de limitação de budgets. Como produtor já fui contactado para trabalhos noutros países que acabaram por não se realizar por falta de budget.

…e se eu meter este prato aqui o que é que acontece?

RC – Tens um set habitual de bateria ou tens de o ir adequando aos projectos em que te envolves?

DC – Tenho o meu set “go-to” mas normalmente gosto de alterar coisas de projecto para projecto, e nem sequer é para tentar que cada projecto tenha o seu som diferente e próprio, é mesmo porque às vezes ainda sou um bocado puto e penso “e se eu meter este prato aqui o que é que acontece?”. Gosto de inventar.

RC – Tens uma “arma secreta” no teu setup?

DC – Neste momento não creio que tenha até porque ando experimentar coisas novas, como por exemplo os Hybrid da K Custom que estou a gostar bastante. Mas durante muito tempo usei um prato que já não se fabricava, o Earth Ride. Esse ride gravou uns 50 álbuns. Por acaso pensei que o tinha perdido mas fui dar com ele a semana passada no armazém da banda em Londres, metido numa caixa que dizia “cymbal spares”, fiquei mesmo feliz. Vou levá-lo para Portugal e aposto que ainda gravo mais uns álbuns com ele.

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…macacos em bando e roubavam palhetas, baquetas, cordas de guitarra…

RC – Conta-nos uma história da tua carreira que nunca te vais esquecer.

DC – Nunca me vou esquecer de chegar a um soundcheck na Índia, num espaço outdoor, eu fresquinho e saído do hotel, e ver os nossos roadies numa pilha de nervos todos irritados a dizer que não conseguiam trabalhar assim porque sempre que viravam costas vinham macacos em bando e roubavam palhetas, baquetas, cordas de guitarra, e levavam tudo para as árvores. Um deles teve que colar tudo na banca de trabalho dele com fita gaffer para não estar a ser constantemente roubado por gangs de macacos.

RC – Por último, um conselho para quem está a começar a tocar.

DC – Acho que a palavra dos nossos tempos é versatilidade. Ser o mais versátil possível, mantendo sempre um bom espírito e um bom balanço entre humildade, confiança e ambição pode abrir portas na nossa área. Eu já desisti de ser o melhor do mundo, estou em paz com o facto de ser demasiado preguiçoso (risos), mas acho que deve haver sempre esse drive interior e esse desejo escondido de se ser o melhor. A ambição leva-nos longe, essencialmente se tivermos sempre a noção de que por muito bons que sejamos, poderá sempre haver alguém melhor e com algo a ensinar.

RAIO-X Daniel Cardoso com a colaboração de Jorge Trigo (facebook).

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