O RAIO-X está de volta e desta vez pedimos ao nosso endorser Hélio Morais que largasse as baquetas por momentos para nos dar a conhecer um pouco mais de si.
Baterista das bandas Linda Martini e PAUS, é um dos grandes embaixadores das marcas Zildjian e Remo em Portugal. Seja em auditórios, coliseus ou festivais, o Hélio Morais impressiona sempre pela entrega total à música. Acredita, nós sabemos – pratos e peles sofrem! Mas a paixão não se discute.
E sem mais demoras, aqui fica o RAIO-X com Hélio Morais.
RAIO-X Hélio Morais com a colaboração de Jorge Trigo (facebook).
Road Crew – Consideras-te um músico ou um baterista que faz música? E tocas ou já tocaste algum outro instrumento?
Hélio Morais – Não tenho carteira de músico, nem fiz conservatório, ou escola de música. No entanto, o que faço na vida é música, por isso diria que sou músico. Toco piano com a mesma vontade com que toco bateria, a de fazer música sem estar preocupado com convenções.
RC – Lembras-te de quando percebeste que ias ser baterista? Podes falar-nos um pouco sobre esta fase?
HM – Não consigo identificar um momento exato, porque me é difícil, ainda hoje, afirmar que sou somente músico. O meu horário de trabalho reparte-se entre ser músico nos PAUS, nos Linda Martini e num projecto pessoal que espero um dia trazer à luz do dia, mas também em fazer agenciamento na estrutura que criei juntamente com os outros membros dos PAUS, na qual trabalho os Capitão Fausto, os próprios PAUS, os Basset Hounds, os Brass Wires Orchestra, os Memória de Peixe, etc. Sei identificar, isso sim, o momento em que decidi deixar de trabalhar para outrém, para me poder dedicar mais às bandas nas quais sou músico. Foi quando decidi sair da Enchufada e gerir os meus próprios horários, por volta de 2011. Foi uma altura de expectativa e algum receio, mas também de muita motivação. Tem corrido bem até agora.
RC – Neste momento tocas com Linda Martini e PAUS mas houve uma altura em que acumulavas com If Lucy Fell. Como é tocar com três projectos que, movimentando-se dentro do rock, são tão distintos?
HM – É muito fácil. Em termos de agenda, sempre foi tudo muito pragmático. A banda a marcar o concerto primeiro era a que ficava com a data. Quanto às abordagens que fazia em cada uma das bandas, sempre foram muito distintas. Em Linda Martini sempre me preocupei mais com a canção e em não me sobrepor à mesma. Nos PAUS o ritmo surge antes de tudo o resto muitas vezes, o que faz com que me preocupe com o balanço do beat e em encontrar padrões que consigam soar a alguma coisa dançável, mesmo antes de todas as outras camadas. Em If Lucy Fell as sequências de acordes do Rui sempre foram muito rítmicas e com muitas quebras; o maior desafio era conseguir que as baterias trouxessem balanço às canções, apesar dos contratempos.
RC – Os PAUS começaram à volta do conceito da bateria siamesa – uma ideia genial, já agora – com baixo e teclas. No início havia um propósito concreto para essa formação de música instrumental ou, como fazem com a composição, deixaram tudo fluir?
HM – A odeia original não é nossa. Acontece muito em escolas, para o aluno e o professor estarem frente-a-frente. Nós só lhe demos um nome e trouxemo-la para a rua. Mas a ideia dos PAUS partiu precisamente da vontade que eu e o Quim tivemos de tocar bateria na mesma banda. Depois foi natural encaixar o Shela – hoje em dia está o Fábio – e o Makoto, que já tocavam comigo em If Lucy Fell. O processo de composição continua a acontecer em simultâneo com o de gravação. Montamos tudo no estúdio, “micamos” e depois vamos reagindo à primeira ideia que surja. Complicado é aprender a tocar músicas que nunca foram tocadas, depois de gravados os discos.
RC – Disseste uma vez numa entrevista que eras músico a tempo inteiro e tinhas um part-time de oito horas diárias, como A&R/produtor/agente na Enchufada. Trabalhaste também como agente e road manager na Lisboa Agência. Tens saudades do tal part-time ou estás a viver o sonho?
HM – Como disse acima, o agenciamento continua a fazer parte do meu dia-a-dia. Nunca deixei de fazer agenciamento. Passei pela magicbox enquanto agente/protutor, depois fui para a Lisboagência trabalhar com agente/road-manager e o último trabalho que tive por conta de outéem foi na Enchufada, onde fazia agenciamento, produção, a&r, ía aos correios, etc. Mas continuei a fazer agenciamento. Simplesmente giro o meu tempo consoante as necessidades de cada projecto. Nunca vou estar satisfeito, porque sou inquieto, mas sou feliz.
RC – Ainda fazes agenciamento de bandas pela tua marca Concertina? O que vês de gratificante nessa experiência que é impossível de ter enquanto músico?
HM – A Concertina terminou em Setembro do ano passado e deu lugar ao HAUS Agenciamento. Essa experiência permite-te ter uma visão alargada e mais imparcial de toda a indústria. Ora estás no lado do músico, ora no de promotor, ora no de agente. Acho que é enriquecedor.
RC – Tens também um papel significativo no estúdio HAUS, enquanto fundador e sócio-gerente, certo?
HM – Não sou sócio-gerente; só temos um. Sou fundador da parte do agenciamento e gestor da mesma. E consegui convencer o Ricardo Dias – For The Glory – a juntar-se a mim, que é imprescindível na manutenção de toda a logística.
RC – Achas que este tipo de espaços estão em falta na cidade de Lisboa ou foi uma forma de juntarem “o útil ao agradável”?
HM – Não fizemos propriamente uma avaliação de mercado, no sentido de perceber o que estaria em falta. Nós – os PAUS – passamos muito tempo juntos na estrada. E é inevitável que falemos do trabalho de cada um. Quando o Fábio e o Makoto encontraram o espaço ideal para construir o estúdio de gravação, perceberam que cabia muito mais no mesmo. E começámos a delinear aquilo em que se tornou o HAUS. Um espaço que conta com salas de ensaios residentes, salas de ensaios para alugar à hora, escritório de agenciamento e estratégia de marca/música. O Makoto e o Fábio são os produtores, o Quim trata mais da parte de ativações de marca relacionadas com música e eu trato do agenciamento de bandas. Foi, por isso, juntar o útil ao agradável.
RC – O teu set habitual de bateria consiste num bombo, tarola, timbalão de chão, pratos-de-choque e ride, certo? Isto é o mínimo indispensável para ti ou chegaste a este modelo por outras razões? E fazes distinção entre o estúdio e o palco ou achas que são “duas faces da mesma moeda”?
HM – Os meus sets vão variando de acordo com as necessidades das bandas e com a minha necessidade de perder vícios. Até aos primeiros dois discos de Linda Martini e PAUS, toquei com um set tradicional – bombo, tarola, timbalão, timbalão de chão, ride, pratos-de-choque e crash. Depois achei que estava a ser previsível no timbalão, que o facto dele estar lá me levava a repetir padrões. Foi então que decidi deixar de usar o timbalão e o crash, para puxar pela imaginação nos padrões. Fi-lo no segundo disco de If Lucy Fell, no Marsupial e no Casa Ocupada, de Linda Martini e no percurso quase todo dos PAUS – excepção feita para o primeiro EP. Hoje em dia estou com sets distintos em PAUS e em Linda Martini. Em PAUS o Quim tem um set mais clássico, o que elimina a necessidade de eu ter crash e timbalão, por exemplo. Em estúdio gravo com percussões, mas ao vivo uso-as sampladas num SPD-SX da Roland. Em Linda Martini voltei a usar timbalão, porque voltei a sentir vontade de ter mais notas e tons nas canções. E estou a tocar com um set clássico de novo, com uma segunda tarola acrescentada, para ter ambientes diferentes dentro de cada música. Tenho, também, a sorte de ser endorser da Zildjian, o que me faz ter a possibilidade dos sets serem diferentes. Os pratos que uso em PAUS são A Custom, mais brilhantes, mais vibrantes – choques 14″, ride 22″ e EFX 18″. Os que uso em Linda Martini são todos da série K e K Constantinople e permitem-me ter um som mais quente e discreto – choques K Constantinople 14″, ride K Constantinople 22″ e crash K Custom Dark 20″.
RC – Tens um set habitual de bateria ou tens de o ir adequando aos projectos em que te envolves?
HM – Adiantei-me a esta pergunta. 🙂
RC – Tens uma “arma secreta” no teu setup?
HM – Tenho de eleger os K Constantinople do set de Linda Martini. O som da banda tem muitos médios e estes pratos são muito quentes e não acrescentam mais ruído.
RC – Conta-nos uma história da tua carreira que nunca te vais esquecer.
HM – Nunca me vou esquecer do dia em que os Linda Martini encheram a plateia do Coliseu, na apresentação do “Sirumba”.
Assim mais penoso, o dia em que, enquanto cantava uma música de 7 Seconds em stage-dive, com Linda Martini, na ZDB, alguém se lembrou de me atacar com as costas contra a quina do palco e a cabeça contra o monitor.
RC – Por último, um conselho para quem está a começar a tocar.
HM – Ignorem os conselhos dos outros, incluindo o meu, e sigam o coração.