Apresentamos uma nova edição da nossa rubrica RAIO-X, onde te damos a conhecer em detalhe os nossos artistas e o seu trabalho.
Neste RAIO-X, pedimos ao nosso multi-facetado endorser Marco Fernandes, para nos falar de si e da sua carreira, tanto como músico, como professor. O resultado é um RAIO-X respondido de uma perspetiva bem pessoal, repleto de informações valiosas.
Marco Fernandes, instrumentista e professor de percussão sinfónica, é um dos músicos mais conhecidos e influentes em Portugal nesta área tão específica. Artista das marcas Majestic Percussion, Zildjian e Remo, entre outras, orgulha-se de representar estas marcas, com as quais desenvolve as suas variadas atividades artísticas.
RAIO-X Marco Fernandes com a colaboração de Jorge Trigo (facebook).
Road Crew – Fala-nos um pouco sobre o teu percurso: como e quando começou o teu interesse pela percussão, onde e com quem estudaste?
Marco Fernandes – Como a maioria dos percussionistas da área erudita, na banda filarmónica da minha terra. Sou natural da Arrentela, uma pequena localidade no concelho do Seixal, e ingressei na Banda da Sociedade Filarmónica União Arrentelense com apenas 11 anos. Depois foi tudo muito rápido: aos 12 ingressei na Escola Profissional de Música e Artes de Almada, que hoje já não existe e, posteriormente, prossegui os meus estudos na Escola de Música do Conservatório Nacional e de seguida na Universidade de Évora. Atualmente, estou a terminar o meu mestrado em música na Escola Superior de Música de Lisboa sob a orientação do professor Pedro Carneiro.
RC – De todos os instrumentos de percussão que tens tocado – entre marimba, vibrafone, bateria e afins – há algum que prefiras, e porquê?
MF – Confesso que tenho alguma dificuldade em responder a esta pergunta, porque na realidade o que me desperta realmente a preferência é a música. O instrumento pouco me importa, desde que a música tenha qualidade. Talvez seja por isso que “também” toco bateria. Escrevo “também” porque nem todos os percussionistas eruditos gostam de tocar este conjunto de instrumentos. Quando comecei, era o menino do xilofone, só queria tocar os teclados e fugia dos instrumentos de peles. Mais tarde, e durante as provas de acesso ao ensino superior, só queria estudar instrumentos orquestrais (tímpanos, caixa, xilofone, glockenspiel, pequena percussão, etc…) e ser músico de orquestra. No entanto, quando entrei no ensino superior e no mercado de trabalho, comecei a contactar com a música contemporânea e o fascínio pela percussão aumentou. Tento assumir-me como um músico que gosta de tocar de tudo um pouco e que, possivelmente, também seria igualmente feliz se tocasse sousafone ou contrabaixo de cordas, por exemplo.
Só com uma equipa dedicada e presente como a da Road Crew é que possível continuar a desenvolver os meus projetos
RC – E em relação a marcas, podes dizer-nos as mais-valias em seres artista de variadas marcas na tua atividade musical?
MF – São imensas! Antes de mais, tenho que assumir que sou um privilegiado por fazer parte desta família que é a Road Crew. Para além da amizade e honestidade que procuramos desenvolver diariamente na relação artística e comercial, são o melhor suporte que alguma vez pensei ter. Para um percussionista, que toca uma imensidade de instrumentos, é muito complicado ter acesso a tudo o que precisa. Desde aos timbres metálicos mais estranhos da Zildjian às peles fora de formato da Remo, passando pelo o mundo das baquetas Innovative ou pelos instrumentos mais convencionais da Majestic, só com uma equipa dedicada e presente como a da Road Crew é que possível continuar a desenvolver os meus projetos. Mais do que a apoiar a actividade a ou b, eles potenciam as minhas ideias e ambições, e estou-lhes muito grato por isso. Já disse diversas vezes a alguns colegas músicos e faço questão de o escrever: mais do que artista da marca x ou y, sou artista Road Crew. E, sinceramente, acho que este sentimento é partilhado por diversos músicos que são apoiados por esta empresa.
Na minha opinião, todas as experiências que a vida nos proporciona são momentos de aprendizagem
RC – Quais são as diferenças mais significativas entre o trabalho académico (estudo e investigação) e a performance?
MF – Não há diferenças. Na minha opinião, todas as experiências que a vida nos proporciona são momentos de aprendizagem. Se estou a tocar, estou a contactar com outros colegas músicos que, independentemente da sua função, partilham conhecimento comigo. Estando a estudar, a investigar ou até mesmo a lecionar, estou a partilhar a minha leitura do conhecimento que recebi desses mesmos músicos. Costumo dizer que o verdadeiro artista, independentemente da sua especificidade dentro do mundo das artes, será sempre um ser insaciável perante o conhecimento.
RC – E o que consideras mais satisfatório, tocar com uma orquestra, como solista, ou com um ensemble como a Brass Factory – A Tribute to Frank Zappa?
MF – São sensações diferentes e garanto-vos que, tal como partilhei na resposta anterior, procuro tirar igual prazer. Admito que no Tribute to Frank Zappa estamos mais descontraídos em palco e abandonamos todo um protocolo que, por tradição, é assumido na orquestra. Mas quando a música no Zappa complica, tal como o solo Black Page, é preciso tanta concentração como tocares uma peça de Xenakis. Em públicos diferentes, abordagens diferentes, mas a satisfação tem de ser a mesma.
RC – Atualmente és também professor de Percussão e Música de Câmara na Metropolitana (Academia Nacional Superior de Orquestra, Escola Profissional e Conservatório de Música), e professor assistente convidado no Departamento de Música da Escola d’Artes da Universidade de Évora, além das clinicas e workshops que conduzes anualmente… É fácil movimentares-te em meios tão distintos, com tantos alunos e formandos de origens e com futuros muito diferentes entre si?
MF – Exige um grande controlo de agenda pois o momento da aula é um momento de grande responsabilidade, seja o aluno do ensino básico, secundário ou superior. Se preciso de faltar porque tenho um concerto no sitio a ou b, sei que em contrapartida tenho de apresentar uma solução para repor essa aula. E na minha opinião não é pela responsabilidade laboral, mas acima de tudo por respeito ao trabalho que o aluno desenvolve fora da sala de aula e pelo voto de confiança que me foi atribuído pelo mesmo e pela sua família ao me confiar a sua educação.
Precisas de fomentar alunos que privilegiem o conhecimento, com capacidade de criar, avaliar, pensar, decidir, imaginar
RC – E sentes que é gratificante, o trabalho docente, ou seja, que estás a tentar fazer mais pelos outros do que fizeram por ti ou não será essa a abordagem correcta?
MF – É sem dúvida extremamente gratificante. É por vezes um processo difícil, pois todos os alunos são diferentes, e a tua abordagem tem de se moldar a cada um deles. Mas quando fazemos um trabalho honesto, no final tudo é recompensado. Com a experiência, fui aprendendo que não chega ter “pulso firme”, é preciso saber ceder e acima de tudo saber ouvir. Precisas de fomentar alunos que privilegiem o conhecimento, com capacidade de criar, avaliar, pensar, decidir, imaginar… Só assim abandonas um ensino baseado na repetição, que acaba por criar intérpretes que não têm capacidade de se autocriticar. Confesso que a experiência, os mergulhos constantes na tentativa/erro, foram importantes para ver o ensino por este prisma. No entanto, foi a oportunidade de privar com o professor Pedro Carneiro, um músico e pedagogo pelo qual tenho uma enorme admiração, que me mais me ajudou a desenvolver também o meu pensamento crítico relativamente a este assunto.
RC – Além do que já referimos, és director artístico do grupo Percussões da Metropolitana e músico da Lisbon Film Orchestra… Tens uma rotina que te permita lidar com tantas tarefas ou és mais de ir planeando à medida que as coisas vão acontecendo?
MF – Vais planeando à medida que as coisas vão acontecendo, pois não consegues estar em todo o lado ao mesmo tempo. As Percussões da Metropolitana é um projecto sediado nas escolas da Metropolitana. Todas as aulas de conjunto das diferentes escolas da Metropolitana são ensaios das Percussões. Quando temos concertos, ensaiamos intensivamente. Na verdade é um projecto work in progress, constantemente. A Lisbon Film Orchestra enquadra-se na minha atividade freelancer. Confesso que, nesse aspecto, sou igualmente privilegiado pois posso dizer que já toquei nas principais orquestras portuguesas. É extremamente gratificante saber que as pessoas confiam no teu trabalho e que és uma das escolhas para reforçar os seus naipes. É lógico que há fases em que estás mais presente no sitio a ou b, mas ter convites sempre a chegar, olhares para a tua agenda preenchida com meses de antecedência, é recompensador. Se fores organizado e metódico, tens tempo para tudo.
Os ensaios tinham corrido bem mas estava muito nervoso: o grande auditório do Centro Cultural de Belém estava cheio, sentia-me extremamente pressionado
RC – Conta-nos uma história da tua carreira que nunca te vais esquecer.
MF – Tenho imensas, desde as mais caricatas às que mais me emocionaram. Guardo várias recordações, mas talvez a que mais me emocionou foi ter tocado a famosa 9º Sinfonia de Beethoven com a Orquestra de Câmara Portuguesa a 2 de Novembro de 2013. Os ensaios tinham corrido bem mas estava muito nervoso: o grande auditório do Centro Cultural de Belém estava cheio, sentia-me extremamente pressionado – por mim próprio claro – por estar a tocar na orquestra do meu professor. Sabia que para além de todo o simbolismo que está inerente a esta composição, a parte de tímpanos é extremamente exposta e em grande parte das vezes a solo, cada vez que olhava para a plateia via percussionistas conhecidos, etc… Era uma mistura de ansiedade e êxtase!
No entanto havia uma situação: num dos ensaios finais com o entusiasmo inerente ao final desta peça, tinha como se costuma dizer, “mandado a orquestra abaixo” nos últimos compassos. O maestro, que ainda por cima é percussionista e meu professor, corrigiu-me dizendo: “…aconteça o que acontecer, vai sempre com o meu gesto (da batuta)…”. Logicamente que a minha concentração para esta parte passou de 100% a 300%.
Quando chegou finalmente a essa parte no concerto, que são os últimos compassos de uma sinfonia que tem mais de uma hora de duração, concentro-me, olho para ele e o que aconteceu? Parou de dirigir!!! Foi como se de repente me tivesse atribuído o poder de conduzir toda a orquestra com o som dos meus tímpanos que marcam um ritmo que todos precisam de ouvir. Como se espontaneamente fosse eu o condutor da orquestra e coro que enchiam o palco do CCB, como fosse eu a única pessoa que podia parar um camião que tinha perdido os travões, entre tantas outras coisas. Enfim, as pessoas aplaudiam efusivamente e eu chorava (de alegria) compulsivamente. Inesquecível.
RC – Por último, um conselho para quem está a começar a tocar.
MF – Mais do que gostar de tocar um instrumento, gostar de música – isso sim é o verdadeiro motivo que irá alimentar o sentimento insaciável que está dentro de cada um de nós.